Resenha: A Invenção das Asas {Sue Monk Kidd}

Autor: Sue Monk Kidd
Editora: Paralela - Companhia das Letras
Páginas: 
Nota Skoob: 5/5


Um escravo devia ser como o Espirito Santo: não se vê, não ouve, mas está sempre por perto, a postos."
[Encrenca - pág. 12]

* A resenha ficou grande, mas vale a pena você conhecer esse livro! ^^


Apesar de conhecer a sinopse do livro, não sabia o que esperar da história de Kidd e fiquei muito satisfeita! Com uma escrita fluida, sem enrolações e descrições monótonas, Sue Monk Kidd nos leva aos EUA escravagista de 1800 a 1840 e acompanhamos duas meninas (depois três!) até se tornarem mulheres: Sarah Grimké filha do juiz de Charleston, dono de terras e escravos  e Hetty "Encrenca", escrava da família que é "dada de presente"  a Sarah em seu aniversário de 11 anos.


Aos quatro anos, Sarah testemunhou uma das escravas da casa ser açoitada e isso a marcou e traumatizou pelo resto da vida, lhe deixando com uma leve gagueira. Tornando-se contra a escravidão a partir daí, ela tenta recusar a "posse" de Encrenca e sonhava em ler os livros do pai às claras e ser advogada, como o pai e os irmãos.

"Eu sonhava com os livros! Amava-os de tal maneira que não sabia nem expressar direito!"
[Sarah - pág. 23]

Lógico que na época era impensável para as mulheres sequer pensarem em ter uma carreira, o lugar delas era ao lado de um marido administrando a casa e cuidando dos filhos. Ao ter seus sonhos despedaçados, Sarah se apega a sua última esperança: o oitavo filho de sua mãe, que ela implora para ser a madrinha mesmo aos 12 anos. A partir daí vemos Sarah se dedicar integralmente à criação e educação de Angelina, incutindo na menina, não os valores deturpados da Charleston escravagista, mas sim os princípios de igualdade, respeito e liberdade entre os humanos a que ainda se agarrava.

Vamos acompanhar estas três mulheres que lutarão para entender seu lugar no mundo e se abrir para ele. Lutarão por liberdade, por voz e vida, em um tempo que "abolicionista" e "miscigenação" eram palavrões; em que os negros eram considerados, por lei, como um quinto de um branco; em que uma mulher devia obediência a seu marido.

"Permanecer em silêncio frente ao mal é, em si, uma das formas do mal."
[Israel - pág. 172]


Sarah e Angelina desafiam tudo isso ao iniciarem uma campanha contra a escravidão e a favor da igualdade racial (o preconceito era tão forte que, mesmo entre os abolicionistas, pensar em igualdade era um absurdo), bem como à liberdade das mulheres de falarem em público na frente de homens (é não "podia!"). Elas ficam conhecidas e reconhecidas por todo o país e sofrem as violências e preconceitos de todos que querem manter o regime e os costumes, sendo inclusive, banidas da conservadoríssima Charleston.

A história de Encrenca é ainda mais envolvente, ela se tornou minha personagem favorita e passei o livro todo torcendo por ela, sofrendo pelo seu diário sofrimento nas mãos da "sinhá" e suas bengaladas e castigos desumanos; com sorriso no rosto nos momentos roubados de felicidade ao lado de sua "mamã" Charlotte, exímia costureira de quem Encrenca herdou o dom. Em seu mundo limitado pelas vontades das "sinhás", encontra seus próprios jeitos de se rebelar: aprende a ler e a escrever com Sarah (e é chicoteada quando descobrem), dorme com sua mãe, quando deveria dormir no chão à porta de Sarah, toma banho de banheira e deseja sempre um futuro melhor, onde o mar a leve para longe. 

"Ouvi o algodão do meu vestido rasgar e senti minha pele se abrir. Gritei porque não pude evitar. Gritei para acordar Deus de sua soneca."
[Encrenca - pág. 282]


O romance de Sue me tocou de várias formas. Eu sei, apenas por conta de estudos e filmes o que foi a escravidão e todos os horrores que a envolveu, mas nunca tinha lido nenhuma obra sobre o tema. Ler o dia a dia desse regime, de como as pessoas aceitavam uma coisa absurda dessas sem o mínimo de questionamento (outros até que gostavam de bater nos escravos!), me faz querer berrar de raiva e sumir desse mundo.. Como nós somos horríveis, não? Como a nossa capacidade de ser monstros supera a de sermos bons... Nunca vou entender por que... E isso porque considero este livro até que "leve", não mostrando tanto todos os horrores que os negros passaram.. =[

"Parecia que discursos e partidas não adiantavam muito, com tanta crueldade para vencer."
[Encrenca - pág. 201]

Além de chorar com o final do livro, fiquei muito surpresa e feliz de que a história das irmãs Grimké, Sarah e Angelina, é real! A autora estudou com profundidade a vida de ambas e adaptou nesse romance lindo e verdadeiro, e ao final do livro ela explica como surgiu a ideia do romance, todos os estudos que fez e a história real das irmãs e de Hetty! Com lugar garantido no meu haul dos melhores de 2014, eu recomendo MUITO a leitura de "A invenção das Asas"!! Agora é favorito!! ♥



Trechos
"Ela não podia ser livre e não podia dar na sinhá com a bengala, mas podia pegar a seda dela. Você se rebela do jeito que pode."
[Encrenca sobre sua mãe - pág. 40]


"Ninguém pode escrevê num livro quanto ocê vale."
[Charlotte, quando ela e Encrenca descobrem quanto valem como escravas - pág. 101]


"O preconceito de cor é a base de tudo. Se não for consertado, as dificuldades dos negros continuarão muito além da abolição."
[Sarah - pág. 258]

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